A campanha para as eleições municipais de 2024 foi a mais violenta da última década, conforme aponta uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (16) pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos. Entre novembro de 2022 e outubro de 2024, foram registrados 714 casos de violência política direcionada a candidatos, o maior número desde o início da série histórica em 2016. As entidades que realizaram o levantamento apontam que a impunidade é o principal fator responsável pelo aumento desses casos.
A coordenadora de Incidência Política da Terra de Direitos, Gisele Barbieri, observa que os períodos de eleições municipais têm se tornado mais violentos, com o Estado não oferecendo respostas adequadas à violência, o que leva à naturalização desse tipo de agressão. “Isso faz com que os episódios se tornem cada vez mais frequentes”, afirma.
Os números históricos mostram um aumento expressivo nos casos de violência política ao longo das eleições municipais. Em 2016, foram registrados 46 casos; em 2020, o número saltou para 214; e, em 2024, chegou a 558, um crescimento de 344 casos em comparação a 2020 — um aumento de aproximadamente 2,6 vezes. Em relação a 2016, o crescimento é de 12 vezes.
Mulheres como alvos
Um aspecto alarmante da pesquisa é o aumento das ameaças e ofensas direcionadas principalmente às mulheres. Candidatas cisgêneras e transexuais foram alvo de 274 casos, o que representa 38,4% do total de ocorrências. As ofensas virtuais correspondem a cerca de 40% dos ataques contra mulheres, e 73,5% das agressões ocorreram durante o período pré-eleitoral ou nas campanhas, com 80% dos agressores sendo homens cisgêneros, em sua maioria parlamentares.
Gisele Barbieri ressalta que, apesar da Lei 14.192, aprovada em 2021, que criminaliza a violência política de gênero, ainda há dificuldades em aplicar essa legislação e em obter respostas rápidas do sistema de justiça. “A lei precisa ser aperfeiçoada, pois ainda vemos poucos casos enquadrados nela”, diz.
A violência nas redes sociais
Outro ponto destacado pelas pesquisadoras é o papel das redes sociais na propagação da violência política. Mais de 70% das ameaças registradas em 2023 e 2024 ocorreram por meio de plataformas digitais, como redes sociais e e-mails. Daniele Duarte, da Justiça Global, destaca que a falta de regulação efetiva da internet tem facilitado o aumento das agressões, especialmente contra mulheres. “Muitos ameaçadores conseguem se esconder atrás de mecanismos que a justiça não consegue acessar, o que contribui para o aumento desses casos”, explica.
Aumento dos casos de violência
A pesquisa também revela um aumento no número de vítimas de violência política, que passou de uma pessoa a cada oito dias nas eleições presidenciais de 2018, para três pessoas a cada dois dias em 2022, e quase duas pessoas por dia em 2024. Neste ano, foram 558 casos registrados, incluindo 27 assassinatos, 129 atentados, 224 ameaças, 71 agressões físicas, 81 ofensas, 16 criminalizações e 10 invasões. A ameaça foi o tipo de violência mais comum, com 135 registros, seguida por 19 ameaças de estupro.
Os estados com mais ocorrências foram São Paulo (108), Rio de Janeiro (69), Bahia (57) e Minas Gerais (49).
Medidas necessárias
As entidades defendem que o poder público adote medidas mais eficazes para combater a violência política, como programas de proteção para candidatos e suas equipes, aperfeiçoamento das leis e segurança reforçada para mandatos coletivos. Além disso, sugerem que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) implemente campanhas de conscientização contra discursos de ódio, racismo e violência de gênero, e que o sistema eleitoral e judiciário ofereça mais apoio às vítimas, com canais estruturados para denúncias e agilidade nos julgamentos.
O estudo aponta ainda a necessidade de uma articulação urgente entre sociedade civil, instituições democráticas e partidos políticos para enfrentar o avanço da violência e fortalecer a democracia no Brasil. “A responsabilidade é coletiva”, conclui a pesquisadora da Justiça Global.